Por Michelle Cristina da Silveira
PACIENTE TERMINAL
De acordo com França (1995), "considera-se paciente terminal aquele
que, na evolução de sua doença, é incurável ou sem condições de ter prolongada
a sua sobrevivência, apesar da disponibilidade de recursos, estando, pois, num
processo de morte inevitável”. O paciente, nessa situação, tende a
manifestar sofrimentos secundários, ou seja:
- medo do abandono
- medo da solidão
- medo da perda da autonomia
entre outros, que suscitam:
- angústia,
- desespero
- dor
- raiva
típicas reações do luto. Nestes
casos está presente grande medo pela incerteza do quê pode acontecer e de
quando vai acontecer. Pelas palavras de Fonseca (2004, p.101): “Ao receber um
diagnóstico de terminalidade, a experiência de enlutamento é alavancada por
perdas que ocorreram no passado, pelas perdas atuais que estão ocorrendo e
também por aquelas que virão.” “O ser humano se defronta com a idéia do nada,
do deixar de ser, e a impossibilidade de representar esse nada é desesperante.”
(CASSORLA, 2009, p. 59). “(...) o adoecer vai ficando muito parecido com o
morrer, ou seja, a fase final da evolução da doença torna a morte mais presente
(...)” (PRIZANTELI et al, 2005, p. 28). “A mote, inerentemente, envolve perda e
esta é a situação que traz algumas experiências de trauma ao enlutado”
(FONSECA, 2004, p. 109).
Para Kovács (2003), um dos
principais objetivos do trabalho psicológico neste momento é estar junto do
paciente e sensível às suas necessidades prioritárias. Pode-se estimular que o
sujeito:
- deseje coisas boas
- descubra aspectos de si mesmo
- aprofunde o vínculo das relações significativas
- resolva pendências relacionais ou mesmo profissionais e financeiras
- conclua assuntos inacabados
- faça uso dos seus recursos internos
- re-signifique experiências da vida
- que tenha autonomia e dignidade até os últimos dias
Quando o futuro parece estar comprometido a simples passagem do tempo
pode adquirir novo significado. Coisas antes consideradas sem importância,
passam a ser extremamente importantes, o que era imutável pode ser visto como
transitório, descarta-se o supérfluo e concentra-se no essencial. (PRIZANTELE
et al, 2005, p. 25). Podemos perceber que, em alguns casos, há uma certa
dificuldade da família e até mesmo da equipe médica de usar o termo “paciente
terminal”, especialmente, pela conotação pejorativa como se é entendido.
Entretanto, hoje, com o advento da Medicina Paliativa, vê-se uma mudança de
paradigma sobre este conceito. Houve, inclusive a elaboração de um escrito que
foi chamado de Carta dos Direitos do Paciente Terminal, com objetivo de
disseminar tais idéias e fazê-las valer sem preconceitos (Serpa, 2003, p.
12-14).
Carta dos Direitos do Paciente
Terminal
a) Ser tratado como pessoa humana até a morte
b) Ter esperança, não
obstante as mudanças que possam ocorrer
c) Ser cuidado por pessoas que mantêm o sentido da esperança
d) Expressar, à sua maneira, o sentimentos e as emoções diante da
morte
e) Participar das decisões referentes aos cuidados e tratamentos
f) Receber cuidados médicos e de enfermagem mesmo que os objetivos de “cura‟
mudem para objetivos de “conforto‟
g) Não morrer sozinho
h) Ser aliviado na dor e no
desconforto
i) Que suas perguntas sejam
respondidas honestamente
j) Não ser enganado
k) Ao aceitar a morte, ser
ajudado por seus familiares, e que estes também sejam ajudados neste momento
l) Morrer em paz e com
dignidade
m) Conservar a individualidade
e não ser julgado pelas decisões que possam ser contrárias às crenças dos
demais
n) Discutir e aprofundar sua religião
o) Que seu corpo seja respeitado;
p) Ser cuidado por pessoas sensíveis, humanas e competentes que,
compreendam suas necessidades e o ajudem a enfrentar a morte garantindo sua
privacidade.
“Além da preocupação com o
curar deve existir a preocupação com o cuidar, já que a morte faz parte da condição de ser humano e, sendo assim, todos os
seres humanos estão sujeitos a esta condição imutável de mortalidade, a qual
não pode ser vencida ou curada”. (Serpa, 2003, p. 139).
CUIDADOS PALIATIVOS
O termo palliare tem origem no latim e significa proteger, amparar, cobrir, abrigar. A Organização Mundial da Saúde
definiu o conceito de Cuidados Paliativos da seguinte maneira (2000):
Abordagem que aprimora a qualidade
de vida dos pacientes e famílias, que enfrentam problemas associados com
doenças ameaçadoras de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, por
meios de identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros
problemas de ordem física, psicossocial e espiritual.
Segundo Salgueiro (2003) a proposta fundamental dos cuidados
paliativos está em oferecer conforto, calor e proteção ao doente favorecendo a
sensação de segurança. O desenvolvimento dessa área iniciou-se em 1967 na Inglaterra
com o advento de instituições como os Hospices fundados por Kluber-Ross e
Cicely Saunders.
Os cuidados paliativos retratam a importância de cuidar dos sintomas
físicos, sem esquecer o isolamento social, o sofrimento psíquico e espiritual
que a doença provoca, uma vez que, antes da doença se instalar, existe uma pessoa com seus valores e
necessidades, que devem ser respeitados em todos os momentos da vida mesmo
diante da possibilidade da morte próxima.
De acordo com a mesma autora (2003), os hospices não são vistos como
somente local no qual se exerce a prática dos cuidados paliativos, mas, como
uma filosofia de trabalho que objetiva dar suporte à pacientes e familiares
durante a fase final da doença combinando a especialidade de um hospital com as
hospitalidade de uma casa. Com este movimento, começou a ser introduzido um
novo conceito de cuidar e não só curar, focado no paciente até o final de sua
vida.
Diante deste momento, um novo campo foi criado, o da medicina
paliativa, incorporando a essa filosofia equipes de saúde especializadas no
controle da dor e no alívio de sintomas. (MELO, A.G.C., CAPONERO, R., 2009, p.
257). 27 De acordo com estes mesmos autores o foco da Medicina Paliativa é
cuidar, escutar o paciente e aprender a reconhecer pequenas realizações e ter
consciência de que sempre há alguma coisa que pode ser feita. Objetiva-se a
diminuição do sofrimento causado por doenças degenerativas não se propondo a
realizar tratamentos com alta tecnologia, mas sim, oferecer alívio aos sintomas
incapacitantes, melhorando a qualidade de vida (Kovács, 1998).
É favorecida a participação do
paciente durante todo o processo dando-lhe
a possibilidade de escolha sobre ficar no hospital ou continuar o tratamento em
casa para que ele possa ter dignidade e sinta-se resgatando parte da autonomia
que a doença lhe tirou. Cuidar dignamente de uma pessoa gravemente enferma,
não significa esperar pela cura, mas sim:
- respeitar a integridade pessoal
- garantir que as necessidades básicas sejam estabelecidas
- aliviar a dor e o sofrimento
- possibilitar que o paciente tome decisões sobre o seu tratamento
- acolher medos, sentimentos
- legitimizar o sofrimento e a sua dor e favorecer despedidas.
A Medicina Paliativa não rejeita a morte, não a encara como fracasso,
mas sim, a aceita como um processo que faz parte da trajetória da vida dos
indivíduos. Não se apressa a morte e nem a prolonga com sofrimento, a
preocupação é tornar vivo todos os momentos do paciente com qualidade e
conforto, mantendo as suas capacidades funcionais. Não estamos falando de um
processo de desinvestimento e desligamento do paciente, mas sim, que não se
busca mais a eliminação da doença ou a cura física do corpo, busca-se o
controle dos sintomas e a qualidade de vida dos pacientes.
LUTO ANTECIPATÓRIO
O termo Luto Antecipatório foi utilizado pela primeira vez por
Lindemann (1944) quando este observou que as esposas de soldados que iam para a
guerra experimentavam reações de luto pela separação física de seus maridos e,
especialmente, pela iminência da morte. (FONSECA, 2004). De acordo com Rando
apud Fonseca (2004), o luto
antecipatório é um processo de construção de significado e possibilidade de
elaboração das perdas a partir de um adoecimento, é um luto quando o paciente
ainda se encontra vivo.
O sujeito, nessa condição representa
dois papeis: o de doente e o de enlutado. É ainda considerado um luto pelo
sujeito que não apresenta mais as mesmas características de quando era saudável
(KOVÁCS, 1992). Inclui sintomas do luto normal:
- Choque
- Negação
- Ambivalência
- Revolta
- Barganha
- Depressão
- Aceitação
- Adaptação
“A antecipação da perda devido uma doença física pode ser tão
perturbadora e dolorosa para as famílias quanto a morte efetiva de um dos seus
membros”. (ROLLAND, 1998, p. 167). Pereira e Dias (2007) nos dizem que os motivos
e a ocasião em que a morte ocorre influenciam no processo de elaboração ou não
do luto: Durante semanas e dias anteriores à morte as relações entre familiar e
paciente que via morrer pode ir de íntima e afetuosa à distante e hostil. O padrão
assumido pela relação nesse período reflete tanto o padrão de relacionamento
que existia antes devido à interação entre o familiar e o paciente terminal,
como o grau de elaboração da família em relação à perda deste.
Quando falamos das doenças
neurodegenerativas como é o caso da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA),
referida neste trabalho, vemos a vivência deste tipo de luto que caracteriza-se
pela possibilidade de se compreender as perdas e o grau de irreversibilidade
das mesmas e, desta maneira, preparar-se para a morte.
Torres (2001) entende o luto antecipatório
como vivenciado em quatro fases:
- Aceitação do diagnóstico e inevitabilidade
da morte;
- Vivência da dor e das suas inúmeras perdas;
- Adaptação à nova condição;
- Introspecção e reflexão sobre a
própria vida.
Ressaltamos que a vivência destas fases não
acontecem de forma linear, mas sim, entendemos como momentos de superação,
outros de desânimo, nos quais há a alternância das mesmas. Quando o sujeito
consegue vivenciar este luto de forma legítima pode estar disponível a:
- finalizar situações incompletas,
- resolver problemas econômicos
pendentes,
- administrar resoluções
necessárias,
- despedir-se das pessoas
queridas
- perdoar ou pedir perdão
Fonte:
Trabalho
de Conclusão de Curso
de
Aprimoramento em
Teoria,
Pesquisa e Intervenção em Luto.
São
Paulo - 2011
O
presente texto foi editado pelo autor do blog
Imagem
meramente ilustrativa